Mais uma explicação da diferença entre a posição luterana e a consubstanciação:

A consubstanciação é a crença na “impanação”, quando os 4 elementos da eucaristia (santa ceia) formam corpo e sangue de Cristo. Cristo está em co-substância com o pão e o vinho. Por isso os católicos romanos que defendiam a consubstanciação, em um período antes da Reforma e Lutero não teve nada a ver com isso, adoravam o pão e o vinho porque na eucaristia eles estariam co-substanciados com o corpo e o sangue Cristo: 4 elementos formando uma substância. Mas a Igreja Católica rejeitou também a consubstanciação e adotou a transubstanciação.

Na reforma luterana a consubstanciação também foi rejeitada. Você não vai ver um só reformador luterano apoiando a consubstanciação e os dogmáticos luteranos rechaçaram essa doutrina. A união sacramental, real posição luterana, não explica como se dá essa união entre pão e corpo, vinho e sangue, é um mistério. Mas não há impanação, Cristo não se torna pão, nem vinho, mas está de forma inexplicável em, com e sob o pão e vinho, se fazendo presente real e localmente, mas não entendemos como isso acontece. Não há uma consubstanciação, os elementos não se tornam Cristo, mas Cristo está neles de alguma forma, por isso não adoramos a hóstia consagrada, como se fazia na consubstanciação, porque a hóstia continua hóstia e o vinho continua vinho.

Algumas igrejas unidas, denominações que congregam luteranos e reformados, como a Igreja Evangélica Alemã (EKD), na Alemanha, aceitaram usar o termo consubstanciação porque os irmãos reformados foram integrados e formaram uma só igreja, congregando luteranos e reformados numa só denominação. Em nome dessa integração com os reformados, os luteranos nas igrejas unidas abrem mão de doutrinas luteranas que os reformados não gostam e seguem a liderança teológica dos reformados nessas igrejas, e como os irmãos reformados dizem que a crença luterana é a consubstanciação, eles aceitaram esse rótulo em nome da integração com os reformados, mas se você ler os reformadores alemães, as obras de Lutero, as confissões luteranas e os dogmáticos luteranos, você não vai encontrar um só apoio à consubstanciação, muito pelo contrário.

Já as demais igrejas luteranas não adeptas do unionismo (união entre luteranos e reformados na mesma denominação) mantêm a posição luterana original, a união sacramental, cuja diferença com a consubstanciação não é apenas semântica ou mera diferença de termos e palavras, como muitos reformados dizem, mas a doutrina da união sacramental é totalmente diferente da ideia de consubstanciação.

Para demonstrar o que estou falando, seguem algumas citações de luteranos pela história sobre isso:

Contra as distorções que os reformados aplicaram à doutrina luterana da união sacramental disseram nossos dogmáticos (Hafenreffer): “A união sacramental não é a) transubstanciação do pão em corpo de Cristo; b) não é consubstanciação ou fusão das duas substâncias, mas tanto no pão como no vinho a substância do corpo e do sangue de Cristo permanece imiscível; c) tampouco é adesão ou conjunção local ou durável ao pão e vinho à parte do uso da ceia; d)tampouco é impanação, isto é, inclusão de qualquer corpúsculo que se ache oculto sob o pão; e) tampouco é, finalmente, união pessoal do pão e do corpo de Cristo, qual a que existe entre o Filho de Deus e a humanidade assumida.”

MUELLER, John Th. DOGMÁTICA CRISTÃ. Porto Alegre: Concórdia, 2004, p. 487.
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A Igreja Luterana não ensina a consubstanciação, teoria segundo a qual o pão e o corpo formam uma só substância. Ou que o corpo está presente como o pão, de maneira natural. Também não ensina a impanação, que significa estar o corpo de Cristo localmente incluso no pão. O propósito das palavras “em, com e sob” não é explicar a união sacramental, que não pode ser explicada, mas rejeitar a transubstanciação papista… O corpo e sangue de Cristo estão presentes realmente no Sacramento, mas de maneira sobrenatural, e todos os comungantes os recebem oralmente, com a boca, juntamente com o pão e o vinho.

Edward W. A. Koehler. Sumário da Doutrina Cristã. Trad. Arnaldo Schüler. 4. ed. Porto Alegre: Concórdia, 2013, p. 171.
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“Sustentamos que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes na Ceia não, certamente, por metousia ou transmutação substancial, como querem os papistas, nem por sinousia ou consubstanciação, que nos atribuem, caluniosamente, os calvinistas; nem por inclusão local, isto é, por impanação, como a carne está no pastel, e por invinação, conforme se acostumaram a incriminar; nem por maneira de descida do céu e da destra de Deus, seguida, então, por outro lado, de ascensão ao céu e à destra do Pai”.

Abraão Calov (1612-1686), Systema Locorum Theologicorum, vol. IX, 307. citado por A. Gräbner (Theological Quarterly, janeiro de 1901)
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Por que não deveríamos então dizer ainda mais na Ceia, – Este é o meu corpo, embora pão e corpo sejam duas substâncias distintas, e a palavra – que o pão indica isto? Também aqui, de dois tipos de objetos teve lugar uma união, a que chamarei uma união sacramental, porque o corpo de Cristo e o pão nos são dados como um sacramento.

Esta não é uma união natural ou pessoal, como é o caso de Deus e de Cristo. É talvez ainda uma união diferente da que a pomba tem com o Espírito Santo, e do fogo com o anjo, mas é também, seguramente, uma união sacramental.

Portanto, é inteiramente correto dizer, se alguém aponta para o pão, – Este é o corpo de Cristo, e quem vê o pão vê o corpo de Cristo, como João diz que viu o Espírito Santo quando viu a pomba, como já ouvimos. Assim também é correto dizer, – Aquele que toma posse deste pão, toma posse do corpo de Cristo; e aquele que come este pão, come o corpo de Cristo; aquele que esmaga este pão com dentes ou língua, esmaga com dentes ou língua o corpo de Cristo. E no entanto, permanece absolutamente verdade que ninguém vê, agarra, come ou mastiga o corpo de Cristo da forma como ele visivelmente vê e mastiga qualquer outra carne. O que se faz ao pão é correta e devidamente atribuído ao corpo de Cristo em virtude da união sacramental.

Martinho Lutero. That These Words Of Christ, ― This Is My Body, Etc., Still Stand Firm Against The Fanatics In: Luther’s Works – Vol 37. Philadelphia: Fortress Press, 1961. Edição do Kindle, posições 5388-5403

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Por que, então, essa acusação de que os luteranos creem em consubstanciação, quando não cremos? Não sei dizer, mas penso que isso tem a ver com o fato de, na época da Reforma, os reformadores da Igreja Cristã na Suíça, como Zwinglio, Bucer, Calvino, etc, discordarem dos luteranos em muitas coisas, e seguirem com suas próprias doutrinas, diferentes das doutrinas luteranas e por isso uma rivalidade surgiu entre reformados e luteranos.

Uma das discordâncias foi em relação à santa ceia. Zwinglio, Calvino e os demais reformadores na Suíça diziam que Cristo não pode estar presente localmente na eucaristia, porque seu corpo e sangue estão confinados no céu e não podem estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Por isso, eles rejeitaram a doutrina luterana da união sacramental, apesar da Confissão calvinista de Westminster usar o mesmo termo luterano para a santa ceia calvinista, mas, definitivamente, não é a mesma união sacramental que Lutero ensinou.

Com isso, eles precisaram reagir à doutrina luterana e expressar sua discordância. Assim, os reformados resolveram associar a doutrina luterana da união sacramental à consubstanciação, o que desagradou muito os luteranos, como visto acima; porém, para os reformados, a santa ceia não tem o mesmo valor que para os luteranos; para muitos reformados, não é importante identificar corretamente o que os luteranos dizem sobre isso, mesmo sob protesto dos luteranos. A santa ceia foi assunto fundamental na reforma luterana, já a reforma suíça tinha outros assuntos que eles consideravam mais importantes, então nunca deram importância para o que cremos ou não sobre a santa ceia, rotulando a doutrina luterana erroneamente.

Hoje a relação entre luteranos e reformados é muito boa, graças a Deus, mas o rótulo errado que os reformados deram ao pensamento luterano sobre a santa ceia infelizmente pegou e até hoje temos que lidar com esse erro e explicar para as pessoas que não cremos na consubstanciação.