Introdução ao texto

Muita gente me procura pelas redes sociais pedindo que eu faça algum tipo de comentário sobre as diferenças entre calvinismo e luteranismo, já que eu larguei o calvinismo de mão e hoje sou luterano. Eu tenho aqui no meu blog alguns textos com algumas diferenças, como a questão da predestinação, mas nada muito completo. Acho que o tratado mais completo sobre luteranismo e outras tradições cristãs seja mesmo o Livro de Concórdia, que eu subscrevo, aliás, como confissão de fé, mas é difícil para a galera comprar um calhamaço de centenas de páginas, que custa muita grana, para conhecer as diferenças. A maioria quer algo simples e de preferência virtual para ler em alguns minutos. Então eu resolvi publicar o primeiro artigo que eu li, do professor Paulo Buss, quando era eu que estava querendo saber as diferenças, o que acabou sendo o começo do processo da minha adesão ao luteranismo.

Como já adiantei, é um artigo escrito pelo professor Paulo W. Buss, do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Na verdade é uma Palestra que ele ministrou sobre o assunto, como ele mesmo diz no texto. O artigo é longo e vale como pesquisa recheada de informações sobre as principais diferenças entre Luteranismo e Calvinismo, não é um post rápido e cheio de memes, mas um conteúdo mais trabalhado para quem está interessado em pesquisar essas duas vertentes do cristianismo: Calvinismo e Luteranismo. O texto está público na internet, no link que coloquei no final da postagem, então estou só repostando o que já está na internet.

Confesso que, quando li a primeira vez, a reação automática foi de revolta. Eu tinha aquela falsa ideia de que luteranismo e calvinismo não tinham muitas diferenças, só na santa ceia, fiquei bem bravo com o conteúdo, já achando que o luteranismo provavelmente não seria o que estava sendo colocando no texto, mas uma deturpação do “luteranismo original” (muitos calvinistas têm uma ideia errada que o luteranismo era igual ao calvinismo no começo e depois foi alterado por Melanchton, o que é uma lenda super absurda, e eu caía nessa mentira também); também achei que o texto estava comentando uma caricatura do calvinismo, não o calvinismo, mas depois comecei a considerar os argumentos em favor do luteranismo, que apresentam um teologia diferente da que eu conhecia e acreditava e a partir daí fui conhecer melhor o luteranismo e hoje sou luterano, inclusive tive aulas com este professor na ULBRA e no Seminário Concórdia, rsrs, mundo pequeno.

Neste texto, o professor Buss não faz um tratado completo das diferenças, nem separa as subdivisões do calvinismo, mas faz um apanhado geral das diferenças, misturando referências de autores de linhas diferentes do calvinismo. São citados autores de diferentes linhas do calvinismo, como o pastor presbiteriano Hermisten Maia, que é adepto de uma forma de calvinismo ligada à Confissão de Westminster, que seus adeptos consideram “ortodoxa” ou “conservadora”; também autores com visões mais “extremadas”, como Schaeffer e Kuyper, que são os nomes mais famosos do “neocalvinismo” (criado por Kuyper); autores mais críticos e reformistas com o calvinismo, como Karl Barth (criador da “neo-ortodoxia”); e Norman Geisler, com uma visão mais amena do calvinismo, chamada de “calvinismo de 4 pontos”, ou “amyraldianismo”.

Outro ponto que pode causar estranhamento é texto tratar a vertente menos popular no Brasil, o calvinismo de 4 pontos, ou amyraldianismo, como sendo o calvinismo moderado, enquanto às vezes chama o calvinismo da TULIP como “extremado”. Para um calvinista de TULIP mais conservador, como eu era, o calvinismo de 4 pontos é uma deturpação do calvinismo e o calvinismo anglo-americano-holandês de TULIP seria o “original”, “ortodoxo” e “verdadeiro”, por isso você pode estranhar esse tratamento, mas pense que o calvinismo está sendo analisado do ponto de vista de um luterano, então o calvinismo de 4 pontos é o mais ameno para luteranos, o mais moderado para nós.

Outra coisa que pode incomodar muita gente são as declarações contundentes do texto, como “os reformados não pertencem mais à igreja do Evangelho puro”, ou a citação “o perigo mortal do calvinismo é que ele se parece tanto com o cristianismo verdadeiro. Ele é uma falsificação que facilmente pode se passar por legítimo” que podem te fazer querer fechar a aba do seu navegador e não ler o resto. Eu vou te entender se reagir assim, porque, como já disse acima, fiquei bem irritado com declarações assim quando li da primeira vez e até hoje acho não concordo com essas declarações. Mas eu peço um esforço da sua parte em considerar os argumentos. Talvez você discorde da forma como o calvinismo é tratado pelo autor, mas as diferenças estão aí, muito bem apresentadas pelo professor Buss, e vai enriquecer seu entendimento sobre Teologia e as diferentes vertentes.

Minha intenção ao postar este texto não é criar uma disputa entre calvinistas e luteranos. A disputa entre calvinistas e arminianos já é bem chata, assim como entre luteranos da IELB e IECLB, igualmente péssima, não quero criar uma disputa entre calvinistas e luteranos. Já houve uma disputa teológica bem forte entre luteranos e calvinistas no século 16, cada um seguiu seu próprio rumo teológico, com suas confissões de fé, e não é necessário criar novas disputas, mas é necessário mostrar nossas diferenças e características próprias para nos defender dos calvinistas que dizem que o luteranismo foi modificado depois do século 16, sem respeitar os luteranos confessionais que seguem as doutrinas da Reforma Luterana do século 16 como fé confessada até os dias de hoje.

Aconselho a quem está interessando nesse tema e pesquisando o assunto a procurar outros materiais fora da blogosfera, pois existem livros que tratam do assunto com mais complexidade. Alguns do lado luterano dos que eu já li e posso recomendar são: Aqui nos Firmamos, do Hermann Sasse; Espiritualidade da Cruz, do Gene Veith Jr; Isto é Meu Corpo, do Hermann Sasse; A Teologia de Martim Lutero, do Oswald Bayer; entre outros.

Já do lado calvinista, encontramos defesas contundentes da teologia reformada que também merecem uma verificação por quem estuda o assunto. Os que já li e recomendo são “Eleitos, mas livres”, do Norman Geisler (este mais ameno), o “Lei e Evangelho”, do Stanley Gundry, para conhecer diferentes posições calvinistas sobre a Lei de Deus (uma ressalva: no livro, o autor Douglas Moo faz uma participação e diz defender um posicionamento “luterano modificado”; se é modificado, não é luterano, o posicionamento dele é pactual e calvinista, não é luterano; para saber o posicionamento luterano sobre Lei e Evangelho, o livro do C. F. W. Walther é a melhor indicação), também indico como material de pesquisa com declarações fortes e contundentes o livro “Calvinismo”, do calvinista ultra radical Abraham Kuyper (autor também citado no texto), onde ele numera certos pilares do que ele entende por calvinismo e coloca o calvinismo como sendo a única “cosmovisão cristã” possível, atacando o catolicismo e o luteranismo como sendo incompletos ou falsas proposições de uma “cosmovisão cristã”, por isso seus adeptos, costumeiramente muito proselitistas e até sectários, pregam a adesão ao calvinismo, ou neocalvinismo, por parte de cristãos de outras tradições. pois consideram a teologia deles sendo a única “cosmovisão cristã”; e e fecho minha pequena lista de defesas contundentes do calvinismo (mais contundentes que esse artigo do professor Buss) com a indicação do livrinho “O Outro Evangelho”, de Arthur Pink, aonde ele faz uma defesa muito firme do calvinismo, chamando outras formas de entendimento soteriológico de diabólicas. São livros com declarações fortes e que mostram o mesmo tratamento dogmático e apologético que o professor faz aqui no texto. Seja você a favor ou não dessa retórica apologética na hora de fazer comparações, estes livros e este texto valem como fonte de pesquisa sobre as diferenças entre Luteranismo, calvinismo e arminianismo.

Se você veio aqui especificamente por causa da teologia luterana da predestinação, recomendo ler estes artigos com os títulos em azul abaixo, que tratam especificamente sobre este tema:

Lutero e a Predestinação

Diferenças entre Luteranos e demais Evangélicos na Predestinação

Espero que este texto do professor Buss seja útil para quem está pesquisando sobre as diferenças, como material mais “compacto” de estudo, para que se possa completar em pesquisas posteriores. Segue o texto:

A Identidade Luterana Frente a Outras Teologias (calvinismo e arminianismo)

por Paulo W. Buss

Observação preliminar. No convite que recebi do Presidente da IELB, o tema da minha palestra está formulado da seguinte maneira: “A Identidade Luterana Frente a Outras Teologias (calvinismo e arminianismo)” Optei por me dedicar mais à comparação das posições luterana e calvinista, não porque a posição arminiana não seja importante ou não ofereça risco à identidade luterana, mas apenas por consideração ao tempo disponível.
Para começar, cito duas avaliações diametralmente opostas entre si com relação ao calvinismo.

Um dos principais nomes do calvinismo no final do século 19 e início do século 20 foi o teólogo e filósofo holandês Abraham Kuyper. Para ele, o calvinismo representa o supra-sumo da teologia e do pensamento cristão. Afirma ele que “o Calvinismo reivindica incorporar a idéia cristã mais pura e acurada do que poderia fazer o Romanismo e o Luteranismo.” (Kuyper, 2004, 26). Mais adiante, ele alega: “Lutero nunca desenvolveu seu pensamento fundamental. E o Protestantismo, tomado em um sentido geral, sem qualquer diferenciação a mais, ou é uma concepção puramente negativa sem conteúdo, ou é um nome semelhante ao camaleão que os negadores do Deus-Homem gostam de adotar como seu escudo. Somente sobre o Calvinismo pode ser dito que consistente e logicamente levou até o fim as linhas da Reforma, estabeleceu não apenas Igrejas mas também Estados, colocou sua marca sobre a vida social e pública e assim, no sentido pleno da palavra, criou para toda a vida do homem um mundo de pensamento inteiramente próprio dele.” (Kuyper, 2004, 199).

A segunda avaliação do calvinismo vem de um homem chamado Stuart Wood. Num site na internet, ele afirma ter sido pastor reformado por seis anos e que ele chegou “à fé cristã ortodoxa” quando leu as obras de Lutero. Ele acrescenta que, em quinze anos, ele leu os 55 volumes das obras de Lutero em inglês. (N.E.: Confira aqui.). Wood escreveu um artigo que pode ser encontrado na internet com o título Tirando a máscara do calvinismo (taking the mask off calvinism). Neste artigo, ele se refere ao espírito anti-cristão e às falsas religiões existentes nos tempos finais e acrescenta:

“Uma dessas religiões que rejeita e destrói o Evangelho é o calvinismo. Neste escrito, estou falando daquele calvinismo que nega a expiação universal de Cristo. Por essa razão, Satanás o suscitou e o estabeleceu em suas muitas formas. Seus erros são sutis, refletindo o profundo ardil e grande poder de nosso antigo inimigo maligno. As Escrituras descrevem a serpente como “mais sagaz que todos os animais selváticos” (Gn 3.1). O perigo mortal do calvinismo é que ele se parece tanto com o cristianismo verdadeiro. Ele é uma falsificação que facilmente pode se passar por legítimo. De fato, eu nunca teria sabido ou mesmo suspeitado da natureza venenosa dessa mentira diabólica se não fosse pelos escritos de Martinho Lutero que me ensinaram a fé e me libertaram do seu terrível laço. Você vê, o calvinismo é realmente uma religião falsa apesar de sua aparência de defensor da verdade bíblica. É uma religião derivada da razão humana depravada e não aquela religião verdadeira que pertence à palavra de Deus e á fé como de uma criança”. (Stuart Wood, Taking the mask off Calvinism1. (N.E.: Confira aqui, p. 2, 23/03/2009)

Ambos os autores reconhecem que existe uma diferença entre luteranismo e calvinismo. Mas, como eu disse antes, são duas posições diametralmente opostas entre si. Qual delas é correta e verdadeira? Ou existe uma terceira alternativa?
Na era ecumênica em que vivemos, cobra-se, muitas vezes, uma postura que evite o confronto a todo custo. Até o simples mencionar de diferenças existentes é visto com desagrado pela opinião dominante. Mas, como nos lembra o padre e sociólogo americano Andrew Greeley, deixar de falar do que é diferente não elimina a diferença que de fato existe. Até mesmo ardorosos defensores do ecumenismo defendem a idéia de que só se pode esperar um diálogo frutífero entre pessoas ou grupos com opiniões diferentes quando se põe as cartas na mesa, ou seja, quando não se esconde as posições divergentes.

Hermann Sasse2 adverte: “O Espírito Santo, o Espírito da verdade, nunca está presente onde são contadas mentiras. Realmente, há mais unidade de igreja onde cristãos de diferentes confissões estabelecem de forma honrada que eles não tem a mesma compreensão do evangelho do que onde o doloroso fato da divisão confessional é escondido atrás de uma mentira piedosa” (Sasse, 1997, 9).
Nosso objetivo é identificar as diferenças para, por um lado, reafirmar nossa identidade, advertir sobre o perigo de, até imperceptivelmente, assimilarmos doutrinas anti-escriturísticas e, para conclamarmos a todos a serem fiéis ao que a Escritura exige de nós quando preconiza que o pastor deve ter “poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem”. (Tt 1.9).
Mas, de que tipo, grau e tamanho de diferenças estamos falando? Se todos cremos em Cristo para a salvação, não é isso o que interessa? Não é o suficiente? Satis est? Ou estarão em jogo aqui artigos fundamentais, alicerces da fé?

Antes de mais nada, precisamos situar as diferenças entre luteranismo e calvinismo de maneira genérica dentro do grande contexto religioso em geral. Mais adiante, iremos tratar de diferenças em relação a doutrinas específicas.

No contexto religioso geral, deparamos com vários níveis de identificação da fé religiosa.

1. O primeiro nível é o do “Religioso Genérico”.
Este é o nível mais genérico de identificação da fé. Pessoas que se encontram neste nível, contentam-se em afirmar: “O importante é pertencer a uma religião seja ela qual for.” “Deus é um só”. “Todas as religiões são boas porque todas defendem e promovem o bem e condenam o mal”.
Este é o nível dos que, consciente ou inconscientemente, defendem o macroecumenismo e os universalistas que, inclusive, declaram haver “cristãos anônimos” em todas as religiões ou até fora delas.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

2. O segundo nível é do “Cristão Genérico”. Nesse nível se afirma: “Todos os que se declaram cristãos e aceitam a Bíblia como um livro sagrado são cristãos e irmãos na fé”.
Esse é o nível de um certo tipo de “ecumenismo interdenominacional”. Aceita-se como irmãs igrejas que tem hermenêuticas diferentes, exegeses diversas e que, portanto, chegam a conclusões divergentes sobre doutrinas e práticas da fé.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

3. O terceiro nível é o dos “que crêem em Cristo”. Todos os que declaram crer em Cristo são considerados irmãos na fé.
O primeiro problema que esse nível coloca é como saber quem de fato crê em Cristo. A Confissãode Augsburgo (CA), art.VIII diz que, ao lado dos piedosos, se encontram na igreja “falsos cristãos e hipócritas, também, pecadores manifestos”. É preciso distinguir entre a fides qua (a fé que crê—oculta no coração) e a fides quae (a doutrina que se crê). O segundo problema é determinar o que é “crer em Cristo”. Para muitos, isso equivale a considerá-lo um grande mestre da ética, para outros, o inspirador de uma ideologia, para outros ainda, como um salvador.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

4. O quarto nível é o dos “que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador”.
Também neste nível restam perguntas a serem feitas. Quem é Jesus Cristo? [Cf. Quem é Jesus Cristo no Brasil, ASTE. Apresenta 7 tipos (idéias) diferentes de Cristo ; Juan Mackay. El otro Cristo español, propõe um Cristo vivo diferente do Cristo morto da religiosidade popular. Rodolfo Blank. Teologia y Misión en América Latina, recorre à expressão “Cristo-paganismo” para se referir à mistura de cerimônias e crenças pagãs pré-colombianas com as doutrinas católico-romanas na América Latina. Baseando-se em Dussel, ele afirma que na religiosidade popular latino-americana existem tantos cristos quantas virgens diferentes. (Blank, 1996, 89, 90)].

Francis Schaeffer, em seu livro A morte da razão, no subtítulo ‘Jesus, a bandeira indefinida’, lamenta o abuso a que o nome de Jesus está exposto ao ser usado como mero símbolo sem conteúdo definido. Diz ele:

“Cheguei ao ponto em que, ouvindo a palavra ‘Jesus’—que para mim se reveste de tanto significado por causa da Pessoa do Jesus histórico e Sua obra—fico a escutar cuidadosamente, porque, digo-o com tristeza, receio mais este vocábulo do que quase qualquer outro no mundo atual. O termo é usado hoje em dia como um emblema sem conteúdo a que se convida nossa geração a seguir. Mas não se lhe empresta sentido racional, bíblico, através do qual se possa testá-lo e, dessa forma, a palavra está sendo empregada para ensinar exatamente o oposto daquilo que Jesus ensinou.” (Schaeffer, 1974, 77).

Outra questão fundamental é: Como Jesus nos salva? Há uma diferença enorme se a resposta vem do pelagianismo,semi-pelagianismo, socinianismo, sinergismo, espiritismo ou da Bíblia.
Jesus diz: “Em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens.” (Mt 15.9) O Jesus Salvador proposto na Escritura é aquele que, pela sua morte vicária, nos livra dos pecados e da condenação eterna.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

5. O quinto nível é o da unidade na confissão da fé.
Declara a Confissão de Augsburgo: “Porque para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus.” (CA, VII. Livro de Concórdia, 1983, p. 31).

A Fórmula de Concórdia (FC) se propôs a reafirmar e explicitar o conteúdo da CA. Ela afirma na Declaração Sólida (DS):

“Todos, amigos e inimigos, claramente podem depreender de nossa explanação que não é propósito nosso ceder algo da eterna e imutável verdade de Deus (nem está em nosso poder fazê-lo) por amor da paz, da tranquilidade e da unidade temporais. E tal paz e concórdia nem teriam estabilidade, porquanto adversam a verdade e visam a suprimi-la. Muito menos ainda propendemos a enfeitar e encobrir falsificação da doutrina pura e erros manifestos e condenados. A unidade pela qual nutrimos cordial desejo e amor e que anelamos promover, estando, de nossa parte, sinceramente dispostos a empenhar tudo o que estiver em nós para fazê-la avançar, é, isto sim, aquela unidade que preserva incólume a honra de Deus, nada renuncia da divina verdade do santo evangelho, coisa nenhuma concede ao mínimo erro, conduz os pobres pecadores ao verdadeiro e genuíno arrependimento, erige-os pela fé, avigora-os na nova obediência, e destarte os justifica e lhes dá a eterna salvação pelo mérito de Cristo somente” (FC, DS, XI 95, 96. Livro de Concórdia, 1983, p. 678).
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

ASPECTOS HISTÓRICOS: A ORIGEM DO CALVINISMO E DO ARMINIANISMO

Antes de falarmos de diferenças doutrinárias, é importante verificar a origem histórica da divisão.
As igrejas reformadas ou calvinistas tem sua origem na reforma suiça de Zwínglio (1484-1531) e Calvino (1509-1564). Inicialmente, o nome “reformado” se referia a todos os que haviam deixado a igreja Católica Romana na época da Reforma. Lewis Spitz explica como esse nome passou a designar especialmente os seguidores de Calvino: “Em uma reunião com o rei Carlos IX em 1561 os calvinistas reivindicaram o nome “reformado” para sua própria igreja. Pela adoção deste nome desejavam indicar que seu método de reformar a igreja era mais completo que o de Lutero. Consideravam suas doutrinas distintivas, bem como a abolição de certos ritos, cerimônias litúrgicas e o abandono de velas, talares, vestes litúrgicas e coisas semelhantes, como complementos indispensáveis às reformas de Lutero.” (Spitz, 1982, 47)
Um episódio emblemático do relacionamento entre luteranos e reformados aconteceu no Colóquio de Marburgo de 1529 quando Lutero se recusou a estender a mão fraternal a Zwínglio. Este é acusado de ter sido leviano ao assinar o documento final do encontro, redigido por Lutero, pois ensinou de forma diversa depois disso. Mas, para muitos, o culpado de perpetuar a divisão de boa parte da cristandade foi Lutero. Ele é que teria sido obstinado e inflexível. Depois disso, os luteranos são acusados de, seguidamente, repetirem a atitude de Lutero. Os reformados (baseados no princípio Ecclesia semper reformanda) “avançaram” e aguardam que os luteranos “retardatários”, os alcancem e se juntem a eles. Mas, segundo os reformados, os luteranos tem dificuldades para se desvencilhar do sacramentalismo medieval. Hermann Sasse lembra que, baseados nessa idéia, de que os luteranos ainda ficaram com um pé no catolicismo e que eles precisam de uma mãozinha dos reformados para completarem a reforma, príncipes alemães atraídos pelo calvinismo sentiram-se autorizados a forçar a população luterana de seus territórios a aderirem à fé reformada. (Sasse, 1987, 20)3. Em outra obra, Sasse diz que, “para os reformados, os luteranos são parte da igreja evangélica na medida em que eles estão a caminho em direção à integralização da Reforma. É tarefa dos reformados ajudar os luteranos nesse aspecto; por exemplo, ajudar os luteranos a se livrar da doutrina da Presença Real na Ceia, da ênfase unilateral na fé em detrimento da obediência, entre outras coisas” (Sasse, 1997, 48).
Confissões de fé Reformadas
O conceito “confessionalidade” tem um significado diferente para luteranos e reformados. Pergunte a um luterano instruído quais são as Confissões de sua igreja e ele vai se referir aos documentos contidos no Livro de Concórdia. Os reformados, por sua vez, tem muitas confissões de fé, com maior ou menor autoridade e que surgiram em diferentes países e culturas. Em consequência disso, as diferentes igrejas reformadas podem ser consideradas primas de primeiro grau mas não irmãs gêmeas. (Pelikan, 2003, 468-9).
As principais confissões reformadas são as seguintes, por ordem cronológica:
A [Primeira] Confissão Boêmia de 1535;
A Primeira Confissão Helvética de 1536;
A [Primeira] Confissão dos Escoceses de 1560;
A Confissão Belga de 1561;
O Catecismo de Heidelberg de 1563;
A Segunda Confissão Helvética de 1566;
Os Trinta e Nove Artigos de Fé da Igreja da Inglaterra de 1571;
A [Segunda] Confissão Boêmia de 1575;
A [Segunda] Confissão dos Escoceses de 1581.
Os Artigos Irlandeses de Religião de 1615.

Jaroslav Pelikan, que apresenta esta lista, acrescenta que apenas algumas poucas afirmações, como os Cânones do Sínodo de Dort (1619), adquiriram uma posição transnacional ou mesmo internacional. (Pelikan, 2003, 468).
Outros documentos importantes que apresentam a fé reformada são as seguintes:
– 1536 – Institutio Christianae Religionis (As Institututas de Calvino). Obra dogmática. 2ª edição em 1539; 1ª edição em francês, 1540.
– 1541 – Catechismus ecclesiae Genevensis
– 1549 – Consensus Tigurinus (Consenso de Zurique: entre Genebra e Zurique referente à doutrina dos Sacramentos)
– 1551 – Consensus Genevensis (Defesa da predestinação absoluta)
– 1581 – Admonitio Neostadiensis (“obra fundamental da crítica reformada à cristologia da FC”, Livro de Concórdia, 1983, p. 636, nota 656)
É preciso relembrar, não há uniformidade confessional entre os reformados. Por isso, não estranhe se os reformados que você conhece não são exatamente como os descritos nesta palestra. É claro que também há diversidade confessional entre os luteranos. Uns são mais outros menos confessionais. Mas, entre os reformados houve maior diversidade desde o início e, inicialmente, só havia confissões de fé locais.
Norman Geisler faz uma distinção entre o calvinismo extremado e o calvinismo moderado. Para ele “Calvinista extremado é alguém que é mais calvinista que João Calvino”. (Geisler, 2005, 63). As idéias do calvinismo extremado teriam sua origem em Agostinho e, nos tempos modernos, em Teodoro Beza, seguidor de Calvino que formulou uma confissão calvinista no Sínodo de Dort, 1618-1619. (Geisler, 2005, 63). Os famosos cinco pontos dos Cânones de Dort, referentes à doutrina da salvação, são conhecidos em inglês pelo acróstico TULIP (em português, TELIP):
Total depravação
Eleição incondicional
Limitação da expiação
Irresistibilidade da graça
Perseverança dos santos
Estes cinco pontos foram elaborados em resposta ao Protesto Arminiano de 1610. O armininianismo toma seu nome de Jacó Armínio, um teólogo reformado holandês que expressou sua oposição à idéia da predestinação absoluta no livro Remonstrance (Protesto) em 1610. Os cinco pontos armininianos podem ser assim resumidos: (Geisler, 2005,118)

  1. Deus elege com base em seu “propósito eterno e imutável” somente “os que, por intermédio da graça do Espírito Santo, crerão em seu Filho Jesus.” Ele também deseja “deixar o incorrigível e incrédulo em pecado e debaixo de ira”.
  2. Cristo “morreu por todos os homens e em favor de cada um, de modo que obteve para todos eles [. . .] a redenção e o perdão dos pecados; todavia, nenhum deles realmente desfruta desse perdão de pecados exceto o crente . . .”
  3. “O ser humano não possui graça salvadora de si mesmo; nem da energia de seu livre-arbítrio [. . .] pode de si mesmo e por si mesmo pensar, querer ou fazer qualquer coisa que seja verdadeiramente boa (tal como a fé salvadora eminentemente é); mas é necessário que ele seja nascido de novo de Deus em Cristo . . .
  4. “Essa graça de Deus é o começo, a continuação e o cumprimento de todo o bem, mesmo a esse grau, e que o próprio homem regenerado, sem a graça antecedente ou assistente, despertadora e cooperadora, não pode pensar, desejar ou fazer o bem . . .” E acrescenta: “Mas no que tange ao modo da operação dessa graça, ela não é irresistível . . .”
  5. “Os que são incorporados a Cristo por uma fé verdadeira [. . .] têm, desse modo, pleno poder para [. . .] ganhar a vitória; [. . .]mas, se são capazes [. . .] de se tornar destituídos da graça, essa destituição deve ser mais particularmente determinada com base na Escritura, antes de podermos ensiná-lo com plena persuasão mental. (Geisler, 2005,118)

De forma mais abreviada, os cinco pontos arminianos são assim resumidos: “1. Deus na eternidade predestinou à vida eterna aqueles que previu que permaneceriam firmes na fé até seu fim. 2. Cristo morreu por toda humanidade e não só pelos eleitos. 3. O homem coopera em sua conversão pelo livre arbítrio. 4. O homem pode resistir à graça divina. 5. O homem pode cair da graça divina.” (Apud, Spitz, 1982, 59)

O arminianismo foi condenado no Sínodo de Dort e, a partir daí, acrescenta-se mais uma família teológica ao Protestantismo que já estava dividido em luteranismo, anabatismo e calvinismo.
O calvinismo “extremado” tem, no centro de sua doutrina da salvação, a afirmação da dupla predestinação e a limitação da redenção que mantém que Cristo morreu só pelos eleitos. Embora autores como Geisler façam um enorme esforço para desvincular Calvino dessa posição radical, ele próprio afirma:
“Denominamos predestinação o conselho eterno de Deus pelo qual Ele determinou o que desejava fazer com cada ser humano. Porque Ele não criou todos em igual condição, mas ordenou uns para a vida eterna e os demais para a condenação eterna. Assim, conforme a finalidade para a qual o homem foi criado, dizemos que foi predestinado para a vida ou para a morte.” (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 8, apud Costa, 2006, 223).
A Confissão de Fé de Westminster (1648) declara: “Assim como Deus destinou os eleitos para a glória . . . o restante dos homens, para louvor de sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados” (art. III, apud Geisler, 2005, 246).
O calvinismo moderado procura estabelecer um meio termo entre o calvinismo extremado e o arminianismo. Para Geisler, os calvinistas moderados e os arminianos moderados “representam a grande maioria da cristandade” (Geisler, 2005, 151). Embora existam algumas diferenças importantes entre os dois, “elas não negam as similaridades” (Geisler, 2005, 151). O ponto de maior concordância parece ser o sinergismo. Afirma Geisler:
“A graça de Deus opera sinergicamente com o livre-arbítrio. Isto é, a graça deve ser recebida para ser eficaz. Não há quaisquer condições para que a graça seja dada, mas há uma condição para que ela seja recebida—a fé. Em outras palavras, a graça justificadora de Deus trabalha cooperativamente, não operativamente. A fé é pré-condição para se receber o dom da salvação” (Geisler, 2005, 276).
Geisler é muito enfático nesse ponto. Para ele, “receber a Cristo . . . envolve um ato livre da vontade” (67), e, para receber a salvação, “existe algo que todos podem e devem fazer” (73).
Geisler compara a posição do calvinismo extremado e moderado com relação aos cinco pontos calvinistas da seguinte forma:

Os cinco pontos

Calvinismo extremado

Calvinismo moderado

Depravação total

Intensiva (destrutiva)

Extensiva (corruptora)

Eleição incodicional (sic)

Nenhuma condição para Deus ou para o homem

Nenhuma condição para Deus; uma condição para o homem (fé)

Expiação limitada

Limitada na extensão (somente para os eleitos)

Limitada no resultado (mas para todas as pessoas)

Graça irresistível

Em sentido coercitivo (contra a vontade do homem)

Em sentido persuasivo (de acordo com a vontade do homem

Perseverança dos santos

Nenhum dos eleitos morrerá em pecado

Nenhum eleito será perdido (memso (sic) que morra em pecado)

(Geisler, 2005, 134)
Summa summarum, tanto os calvinistas extremados, quanto os moderados e os arminianos dão uma resposta racional à questão proposta pela crux theologorum: Por que alguns se salvam e outros não? Os calvinistas extremados respondem com a dupla predestinação; os “moderados” e os arminianos com o sinergismo. Mesmo os calvinistas “moderados” não escapam do “aliquid in homine” ao afirmarem: “Não há quaisquer condições para que a graça seja dada, mas há uma condição para que ela seja recebida—a fé” (Geisler, 2005, 276).

LUTERANISMO E CALVINISMO: COMPARAÇÃO DE ALGUMAS DOUTRINAS

1.DEUS
“O que nos vem à mente quando pensamos a respeito de Deus é a coisa mais importante a respeito de nós mesmos” (A. W. Tozer apud. Geisler, 2005, 11).

Calvinistas fazem questão de afirmar que sua teologia é teocêntrica. Norman Geisler explica como eles o entendem: “Quando alguém que está completamente familiarizado com a Bíblia reflete a respeito de Deus, uma das primeiras coisas que lhe deve vir à mente é a soberania divina.” (Geisler,2005, 11). Os termos soberania de Deus, glória de Deus, transcendência de Deus, recebem grande destaque no calvinismo. Como eles definem a soberania de Deus?

Ainda segundo Geisler:
“Um Deus que existe antes de todas as coisas, está além de todas as coisas, sustenta todas as coisas, conhece todas as coisas e pode todas as coisas está também no controle de todas as coisas. Esse controle absoluto de todas as coisas é chamado soberania de Deus” (Geisler, 2005, 15).

O conceito da transcendência de Deus já ressaltado por Calvino, continua presente nos teólogos calvinistas mais recentes. Karl Barth fala de Deus como o “totalmente outro”. O conceito da soberania divina torna-se um eixo central na teologia calvinista, assim como a doutrina da justificação é o eixo central da teologia luterana. Para Calvino, há um abismo imenso entre a grandiosidade do Deus criador e de sua pequena criatura humana.

Na teologia luterana é o pecado que separou o homem de Deus, para a teologia reformada, o abismo existe desde a criação. David Scaer chama atenção para o fato de que o princípio filosófico finitum non est capax infiniti empregado na Cristologia calvinista acaba por trazer uma enorme dificuldade para a totalidade de sua teologia. Pois, nesse caso, o abismo entre Deus e o homem é superado apenas de forma incompleta na encarnação e de forma alguma nos sacramentos. Scaer conclui: “Na teologia reformada, a operação imediata, interna do Espírito Santo no coração do homem serve de ponte que conecta o abismo entre Deus e o homem”. (Scaer, 1989, 28).

Para promover a “glória de Deus”, calvinistas muitas vezes foram bastante agressivos e pouco tolerantes para com os que não concordam com eles. (Ex: Anti-catolicismo militante, caso Serveto, lei seca nos Estados Unidos, blue laws, etc). A noção da soberania de Deus, como entendida por muitos calvinistas, pode facilmente conduzir à doutrina da dupla predestinação. Norman Geisler argumenta que os calvinistas extremados, se levarem suas premissas até o fim de forma lógica e honesta, concluirão que Deus não é todo-amoroso porque ele ama somente os eleitos. Geisler comenta: “Um Deus que ama parcialmente é menos que um Deus supremamente bom. E aquilo que é menos que supremamente bom não é digno de adoração, visto que adorar é atribuir dignidade ao objeto adorado” (Geisler, 2005, 158). Geisler cita o “calvinista extremado” William Ames: “Romanos 9.13 diz que Deus odeia os não eleitos. Esse ódio é de negação ou de privação, porque nega a eleição, mas tem um conteúdo positivo, porque Deus deseja que alguns não possuam a vida eterna (Ames apud Geisler, 2005, 158).

Lutero também afirma que o conceito de Deus é fundamental para a vida do crente e da igreja. Podemos ver isso em sua explicação do 1º mandamento e do Credo Cristão nos catecismos e, também, em outros escritos. Em seu comentário sobre Gênesis, ele afirma:
“Antes de tudo, precisamos ter a verdadeira doutrina de Deus. Então uma verdadeira reforma e estabelecimento de igrejas pode ser instituída sobre esta base.” (Apud, Wenthe, 2000, 264). Lutero experimentou em sua própria vida como uma imagem falsa de Deus pode ser terrível e até conduzir ao desespero. A idéia de Deus que lhe foi passada pelos seus mestres e superiores no mosteiro era a de um Deus soberano e justo que exige obediência e justiça total do homem. Do crente se exigia que cumprisse a vontade desse deus e que o amasse de forma total e irrestrita.

Deixemos o próprio Lutero falar sobre como ele se sentia em relação a esse deus:
“Eu não amava o Deus justo, que pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava.” Este conceito de Deus impedia que Lutero entendesse o conceito bíblico “justiça de Deus”. Especialmente, ele ficara intrigado e perturbado com o texto de Rm 1. 17: “a justiça de Deus se revela no evangelho”. Ele mesmo explica: “Como se não bastasse que os míseros pecadores, perdidos para toda a eternidade por causa do pecado original, estivessem oprimidos por toda sorte de infelicidade através da lei do decálogo—deveria Deus ainda amontoar aflição sobre aflição através do evangelho, e ameaçá-los com sua justiça e sua ira também através do evangelho?” Seu conceito falso sobre a justiça de Deus o deixava furioso e confuso, mas ele teimava em continuar refletindo sobre o texto. “Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que por fim observei a relação entre as palavras: ‘A justiça de Deus é nele [no evangelho] revelada, como está escrito: o justo vive por fé’. Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a passiva, através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: ‘O justo vive por fé’. Então me senti como que renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente. Fui passando em revista a Escritura na medida em que a conhecia de memória, e também em outras palavras encontrei as coisas de forma análoga: ‘Obra de Deus’ significa a obra que Deus opera em nós; ‘virtude de Deus’—pela qual ele nos faz poderosos; ‘sabedoria de Deus’—pela qual ele nos torna sábios. A mesma coisa vale para ‘força de Deus’, ‘salvação de Deus’, ‘glória de Deus’” (Lutero, 1984, 30-31)

Portanto, a imagem de Deus, que Lutero extraiu, pela exegese, da própria Escritura, não apenas o transferiu de uma situação de desespero para uma situação de alegria imensa, mas também possibilitou que ele passasse a ler toda a Escritura com um novo enfoque. Este enfoque não se concentrava mais num Deus exigente mas no Deus que graciosamente concede as suas dádivas que são recebidas pela fé.
Percebe-se, pois, que se o conceito calvinista de Deus se concentra na soberania, glória, transcendência e justiça de Deus, o conceito de Lutero tem como foco central a misericórdia e graça de Deus em Cristo. Neste sentido, pode-se dizer que Lutero é mais Cristocêntrico do que Teocêntrico. (Cf. Hino Castelo Forte (165,2): “Jesus Redentor, o próprio Jeová,pois outro Deus não há). Jesus Cristo é a revelação de Deus. Ele é a verdade: ele desoculta Deus (Jo 14, 6,9).
Karl Barth, em sua dogmática, critica a posição luterana de que o centro da revelação é o Evangelho ou a doutrina da justificação do pecador mediante a fé. Ele considera isso uma ênfase exagerada e acrescenta que o conteúdo da revelação “é fundamentalmente e acima de tudo o próprio Deus, sua personalidade, seu nome, seu senhorio, sua aliança com os homens. Este conteúdo fundamental, concreto, e, portanto, a plenitude da revelação é prejudicada pelo luteranos ao isolar a Lei do Evangelho, e a obediência da fé.” (Apud Sasse, 1987, 120).
Em conclusão: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre quem e como é Deus? Não sabemos. Porque a fé que crê (fides qua) está oculta no coração. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre esta doutrina? O enfoque e as ênfases, com certeza, são diferentes.4

2. FÉ
Hermann Sasse mostra como a falta de uma correta distinção entre lei e evangelho no calvinismo conduz também a uma compreensão errônea sobre a fé. (Sasse, 1987, 130-133). Calvino e Reformados posteriores tem uma predileção pela noção de “obediência da fé”. Calvino parte de Rm 1.5 para identificar fé como obediência.
Para a teologia luterana, a fé é um dom de Deus que recebe a justiça de Cristo, que se apropria da obediência de Cristo e , a partir disso, rende obediência a Deus. Calvino, por um lado, se esforçou para afirmar claramente que os crentes são salvos pela eleição divina e a obra justificadora de Cristo. Mas, em outras afirmaçoes ele põe tanta ênfase na fé como obediência que alguns concluem que ele ensina que fé é obediência. (Boehme, 2002, 18). Ele enfatizou a predestinação, a obediência e a aliança e assim plantou as sementes que promoveram a identificação de fé com obediência em calvinistas posteriores. Alguns dizem que essa identificação se originou com Heinrich Bullinger e sua noção do pacto bilateral. Mas,outros afirmam que a noção já está presente em Calvino. (Boehme, 2002, 19ª).

Boehme esclarece que, em dogmáticos reformados posteriores, a identificação de fé e obediência está vinculada à idéia das duas alianças de Deus com os homens: a aliança das obras dada a Adão e Eva e a aliança da graça em Cristo. Na aliança das obras, Deus exigia obediência perfeita e recompensava esta obediência. Mas, após a queda, os homens não mais podiam ser justificados de acordo com a aliança das obras, cumprindo a lei. Deus, então, estabeleceu uma aliança de graça com o homem. Mas, esta aliança não substituiu a aliança das obras, porém, foi acrescentada a ela. Por isso, a obrigação da obediência permanece enquanto o homem é criatura de Deus. A condição da aliança é a mesma no Antigo e no Novo Testamento. Ela exige fé para a obtenção da salvação. Por isso, a aliança da graça, nos dois Testamentos, contém uma mistura de Lei e Evangelho. (Boehme, 2002, 19).

3. LEI E EVANGELHO
Para Lutero, a igreja prega o Evangelho. A função da Lei é secundária e auxiliar em relação ao Evangelho. Para os calvinistas, Lei e Evangelho são ambos parte da obra própria de Cristo. [Cf., Wenthe, 263-4]
Hermann Sasse afirma que tanto luteranos quanto reformados querem distinguir Lei e Evangelho e também indicar a relação que existe entre os dois. Ambos concordam que o principal artigo da fé cristã é o perdão dos pecados. Os luteranos o consideram o conteúdo completo do Evangelho, enquanto que os reformados o consideram o conteúdo principal do Evangelho. A diferença está no fato de que os reformados acreditam que tanto a lei quanto o evangelho fazem parte da obra própria de Cristo, e, portanto são funções essenciais da igreja. Os luteranos, por outro lado, ensinam que a pregação da lei é a obra “estranha” e a pregação do evangelho a obra “própria” de Cristo. Por isso, embora a igreja precisa pregar a lei –em função do evangelho—a única coisa essencial à sua natureza como a igreja de Cristo é que ela é o lugar, o único lugar do mundo, em que se ouve as boas novas do perdão dos pecados por causa de Cristo. À primeira vista, continua Sasse, estas diferenças na visão da relação de lei e evangelho podem parecer insignificantes. Elas são como dois trilhos de trem que se encontram lado a lado e parecem ir na mesma direção, até que mais tarde se descobre que elas vão para direções totalmente diferentes. Ou seja, as diferenças doutrinárias neste tópico só se tornam claras quando se vê suas consequências sobre outras doutrinas. (Sasse, 1987, 129)

Transformar a fé em obediência, por exemplo, é fazer do evangelho uma nova lei. Quando a lei toma o lugar do evangelho e a justificação deixa de ser a doutrina central do cristianismo, a igreja é transformada de uma congregação de crentes numa congregação de crentes e obedientes, e Cristo se torna um novo Moisés. (Sasse, 1987, 137; Boehme, 2002, 21a).
Ulrich Asendorf—um destacado teólogo luterano da Alemanha—salienta que Lutero ensina o uso predominante da Lei como espelho. A Lei destrói, conduz à morte e revela o pecado. Em Calvino, o terceiro uso da Lei predomina. O resultado disso, no calvinismo em geral, é uma tendência ao legalismo. Isso conduz ao sistema puritano de vida. A partir daí, os calvinistas não conseguem distinguir Lei e Evangelho. Em consequência, o Evangelho se torna uma nova Lei. Asendorf cita como exemplo o que aconteceu na Alemanha após a 2ª Guerra Mundial. Lá, surgiu um “novo tipo de fanatismo sob o título do que Karl Barth e seus discípulos chamavam o ‘governo real de Cristo’ em lugar da distinção dos dois reinos de Lutero.” (Asendorf, 1979,2)

4. JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO
Embora à primeira vista se possa ter a impressão de que luteranos e reformados ensinam a mesma coisa sobre a justificação—p. ex. seu caráter forense—vários autores concluiram, cada um à sua maneira que a justificação não ocupa o mesmo lugar nas duas tradições teológicas e que a justificação e santificação foram distinguidas de maneira diferente nessas tradições.
Mesmo que a igreja reformada queira aderir firmemente à doutrina da justificação do pecador por causa de Cristo, ela não consegue assegurar para ela um lugar central no seu sistema teológico completo, diz Sasse. Enquanto a lei estiver no mesmo patamar do evangelho, o arrependimento com a absolvição, a santificação com a justificação, a obediência com a fé, não é mais a justificação que mostra só ela “o correto conhecimento de Cristo, e só ela abre a porta para a Bíblia inteira.” (Ap, IV, 2, em Müller, 1912, 87; Cf. Sasse 1987, 145)

Para Lutero e o luteranismo confessional, o ponto de partida e o centro de toda a teologia é a justificação, ou seja, o evangelho da graça de Deus em Cristo. Somos salvos por causa da morte e ressurreição de Cristo, pela fé, sem mérito nosso. “Desse artigo a gente não se pode afastar ou fazer alguma concessão, ainda que se desmoronem céu e terra ou qualquer outra coisa. . . . Sobre esse artigo fundamenta-se tudo o que ensinamos e vivemos contra o papa, o diabo e o mundo. Razão por que devemos estar bem certos disso e não duvidar. Em caso contrário, tudo está perdido, e o papa, o diabo e tudo ficarão com a vitória e a razão contra nós” (Artigos de Esmalcalde, 2ª Parte, I, 5).

Robert D.Brinsmead procurou visualizar a diferença entre luteranos, reformados e arminianos sobre a justificação elaborando três diagramas. Para ele, as correntes teológicas reformada e arminiana sempre tiveram maior dificuldade para manter a centralidade da justificação do que a corrente luterana.

  1. Posição Reformada (Calvinista):

No sistema reformado, a justificação é considerada um ato estático, que ocorre uma única vez na vida e que é seguido pela santificação:


Nesse modelo, diz Brinsmead, “é quase impossível manter a justificação no centro da atenção uma vez que um ato passado não permanece sendo a maior necessidade do crente. A justificação se torna como um posto de combustível pelo qual se passa apenas uma vez.” (Brinsmead, 1979, 10)

  1. Posição Arminiana:

“O esquema arminiano tende a reduzir a justificação a uma provisão apenas por pecados do passado. Isso é seguido por santificação, que muitas vezes aparece como sendo um estágio superior no processo soteriológico. A justificação final no dia do juízo tende a repousar sobre a santificação. Nisso, a justificação é fortemente subordinada à santificação” (Brinsmead, 1979, 10-11):

  1. Posição Luterana: “Em contraste com essas duas posições, Lutero e as Confissões Luteranas consideram a justificação como uma necessidade presente e contínua do crente, que é sempre um pecador a seus próprios olhos porém está sempre agarrando o veredito justificador de Deus pela fé na justiça de Cristo” (Brinsmead, 1979, 11):

Católicos Romanos e reformados concordam que o artigo da justificação é um artigo muito importante. Mas eles não concordam que ele seja O artigo mais importante e central de toda teologia cristã. (Ver, por exemplo, Karl Barth, Dogmática: luteranos exageram; Católicos Romanos: Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação).
Para Lutero e as Confissões Luteranas (CA e Ap 4, AE) a justificação é o artigo stantis et cadentis ecclesiae do qual nada se pode ceder “ainda que se desmoronem céu e terra ou qualquer outra coisa”.
A Justificação é o eixo central com o qual todos os demais artigos de fé e toda prática cristã deve estar em conexão assim como os raios de uma roda estão ligados ao eixo. Para Lutero, este artigo determina a maneira como ele:

  • Lê e entende toda a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. A razão para a revelação e para a escrita da Bíblia é mostrar Jesus Cristo como nosso Salvador. Este é o objetivo e este é o conteúdo de todo o AT e de todo o NT. Por isso, para se entender uma determinada passagem é necessário encontrar sua ligação com Cristo, o personagem principal de toda Bíblia (e, portanto, de todo ensino, pregação, escola dominical, etc. Cuidar para que isto aconteça é o trabalho principal do pastor; é sua atividade prática por excelência).
  • Entende todas as doutrinas cristãs. Todas recebem seu significado a partir do centro: a Justificação.
  • Entende toda a vida cristã. (Veja, por exemplo, sua exposição sobre as duas espécies de justiça onde ele descreve o relacionamento vertical entre Deus e o cristão, e o horizontal entre o cristão e seu próximo).
  • Entende todo o culto cristão. (Dádiva de Deus→meios da graça→fé).

Em 1530, na explicação do Salmo 117, Lutero censura aqueles que supõe que o ensino da salvação pela graça sem as obras da lei é tarefa fácil e simples. Esta é uma arte, diz ele, que nunca se aprende completamente, ela sempre é nossa Mestre e nós seus alunos. (Apud Walther, 1899, 14-15). Walther comenta: “Muitas vezes, não se entende por que Lutero declara que o artigo da graça justificadora é um artigo difícil, pois ele parece tão fácil para muitos. Mas, não se compreende Lutero. Para muitos, pela graça de Deus, talvez não seja muito difícil pregar um bom sermão sobre a justificação. Mas, Lutero aqui fala de toda a arte e maneira de tratar a obra de Cristo de tal forma que não apenas todas os demais ensinos sejam influenciados pela doutrina da justificação, mas que esta apareça como componente necessário das mesmas. Isto é difícil—tão difícil que nenhum espírito sectário, ninguém que não tenha o Espírito Santo o consegue jamais fazer. . . . Lutero quer que todas as demais doutrinas sejam tiradas do fundo da doutrina da justificação; o que não flui dali é para ele uma vergonhosa negação de Cristo.” (Walther, 1899, 74).

Philip Watson cita John Wesley dizendo que Lutero “acertou em cheio” na doutrina da justificação pela fé somente mas foi completamente ignorante e confuso na doutrina da santificação. O próprio Watson rebate essa afirmação. (Watson, 1954, 171)6. Lutero, na verdade, ensina uma clara distinção entre nossa relação com Deus e a vida eterna (Justificação) e a nossa relação com o próximo e nossa vida neste mundo (Santificação). Textos em que ele explica esta distinção: “Sobre as duas espécies de Justiça”, “Da liberdade Cristã”, etc. Em Dos Concílios e da Igreja, Lutero escreve sobre os antinomistas:
“Fazem pregações maravilhosas e (como não o posso imaginar de outra forma) com toda sinceridade a respeito da graça de Cristo, da rmissão dos pecados e o que mais se pode dizer a respeito do artigo da redenção. Mas a consequência eles evitam como o diabo: que deveriam falar às pessoas a respeito do terceiro artigo, da santificação, da nova vida em Cristo. Pois acham que não se deve assustar as pessoas nem entristecê-las, e pregar sempre de forma consoladora a respeito da graça e do perdão dos pecados em Cristo, evitando de todos os modos expressões como: Escuta! tu queres ser cristão e, ao mesmo tempo, continuar sendo adúltero, fornicador, grande porca, soberbo, avarento, usurário, invejoso, vingativo, malicioso, etc. Mas dizem: Escuta! mesmo que sejas adúltero, fornicador, avarento ou outro pecador qualquer, desde que creias, és bem-aventurado. Não precisas temer a lei, pois Cristo cumpriu tudo. .. . Querido, não significa isso admitir a premissa e negar a conclusão? Sim, isso significa a um só tempo tirar a Cristo e anulá-lo quando se o prega justamente com a maior exaltação. E tudo é sim e não num mesmo assunto. Pois semelhante Cristo é nada e não existe em parte alguma, que tivesse morrido por pecadores que não abandonam os pecados depois do perdão dos mesmos e levam nova vida. . . . São excelentes pregadores de Páscoa mas escandalosos pregadores de Pentecostes, pois nada pregam a respeito da santificação e vivificação do Espírito Santo, mas exclusivamente da redenção por meio de Cristo. . . . Pois Cristo não nos conquistou apenas a graça, mas também o dom do Espírito Santo, para que não tenhamos somente perdão dos pecados, mas também superação dos pecados.” (Lutero, 1992, 382-383).

Se, por um lado, muitos tem dificuldades com o ensino da santificação, outros, incluindo luteranos, continuam tendo grande dificuldade com a doutrina da justificação pela fé. Por exemplo, na Conferência de Helsinki da Federação Luterana Mundial, em 1963, houve grande dificuldade para definir o que significa a justificação hoje em dia7. Para muitos estudiosos, a justificação pode ter sido um assunto de extrema importância no século 16 mas hoje ela não tem mais a mesma importância. (Brinsmead, 1979, 10).

Falando da situação atual nos Estados Unidos, Boehme afirma que prevalece uma mistura de lei e evangelho e que, em geral, há uma falta de ênfase no ensino da justificação. Há maior ênfase na santificação. Confunde-se justificação com regeneração e ignora-se a necessidade do arrependimento. Ele cita um autor não-luterano que reconhece que entre os evangelicais “não é justificação do ímpio … mas a santificação do justo que recebe mais atenção.” (Donald Bloesch apud Boehme, 2002, 21a). O resultado disso se mostra em pesquisas que indicam que a maioria dos cristãos americanos, também dos luteranos (54%), acredita que uma pessoa boa pode merecer um lugar no céu. Numa outra pesquisa, apenas 56.7% dos luteranos disseram que “só os que creem em Jesus como seu Salvador podem ir para o céu.” (Boehme, 2002, 21)

5. CRISTOLOGIA
Luteranos e reformados reacenderam as controvérsias cristológicas dos primeiros cinco ou seis séculos da era cristã. Ambos concordam que Jesus Cristo é o Deus-Homem no qual em uma só pessoa estão unidas as naturezas divina e humana. Há, porém, sérias divergências entre os dois grupos sobre modo da união das duas naturezas e sobre a maneira em que atuam para a nossa salvação. A questão da comunhão das duas naturezas é da mais alta importância na doutrina cristã porque a validade da obra salvadora de Cristo pressupõe a união pessoal e porque esta doutrina se reflete na definião de outras doutrinas como, por exemplo, a da Santa Ceia.
No artigo 8 da Fórmula de Concórdia, os luteranos insistem na verdadeira comunhão entre as duas naturezas. Um texto bíblico chave citado nessa argumentação é Cl 2.9: “porquanto, nele, habita corporalmente, toda a plenitude da divindade.”

Os reformados, por sua vez, aceitaram a união da natureza humana de Cristo com a pessoa do Logos, mas negaram a comunhão verdadeira das duas naturezas entre si. A base para essa negação é o axioma racional: “Finitum non est capax infiniti”. Nessa linha de raciocínio, a confissão reformada Admonitio Neostadiensis, de 1581, afirma o extra calvinisticum: Assim como o Filho de Deus, após sua encarnação está na sua natureza humana, assim também ele está inteiramente fora e separado dela. (Veja: FC, DS 8, 14 em Livro de Concórdia, p. 636, nota 656).
Uma verdadeira comunhão das naturezas é negada explicitamente em vários documentos reformados. O Consensus Tigurinus declara em relação ao corpo de Cristo que “por ser finito e estar encerrado no céu como seu lugar, é necessário que de nós diste tanto, quanto o céu da terra” (Apud, Livro de Concórdia, 1983, p. 610, nota 532; cf. Scaer, 1989, p. 26, nota 9).

A Fórmula de Concórdia condena a posição de Calvino expressa no Consensus Tigurinus: “Que o corpo de Cristo está encerrado de tal maneira no céu, que de modo nenhum pode estar presente ao mesmo tempo em muitos ou em todos os lugares da terra onde sua santa ceia é celebrada” (FC, Ep VII, 32). A Segunda Confissão Helvética declara: “Portanto, não pensamos nem ensinamos que a natureza divina em Cristo sofreu, ou que Cristo, segundo sua natureza humana, ainda está no mundo, e assim em todo lugar (Apud Scaer, 1989, p. 57). Os luteranos afirmam que, devido à união pessoal, a pessoa de Cristo sofreu e que, devido a essa mesma união, a natureza humana de Cristo se encontra em todo o lugar onde a pessoa de Cristo se encontra. Ao negar tal comunhão, Calvino chega ao ponto de afirmar: “Admito, com efeito, que, se alguém ao julgamento de Deus quisesse opor Cristo, singelamente e de Si, não haverá lugar para mérito, porquanto não se achará no homem dignidade que possa ter mérito para com Deus. . . . Logo, quando se trata do mérito de Cristo, não se estatui nEle [próprio] resida o pincípio [desse mérito]; ao contrário, remontamos à ordenança de Deus, que é a causa primeira, porquanto , de Seu puro beneplácito, [O] estatuiu [Deus por] Mediador, para que nos adquirisse a salvação.” (Calvino, 1985, XVII, 1, vol. II, 294).

Lutero escreve em Dos Concílios e da Igreja, 1539, sobre a união das duas naturezas em Cristo:
“Ó Senhor Deus, por este bendito e consolador artigo sempre se deveria estar alegre na verdadeira fé, sem desavença e sem dúvidas, cantar, louvar e agradecer a Deus Pai por essa misericórdia inefável, ao fazer com que seu Filho amado se tornasse igual a nós, homem e irmão. Agora, porém, o enfadonho Satanás provoca tal aborrecimento por meio de pessoas arrogantes, vaidosas e incorrigíveis, a ponto de nos impedir e estragar o amor e bendita alegria, infelizmente. Pois nós cristãos temos que estar cientes do seguinte: quando Deus não está na balança, fazendo peso, caímos no abismo com o nosso prato. O que quero dizer é isto: onde não se afirma que Deus morreu por nós, mas somente um homem, estamos perdidos. Quando, porém, a morte de Deus e “Deus morreu” pesam no prato da balança, este baixa e nós subimos, como um prato leve e vazio. No entanto, ele pode também subir novamente e saltar do prato. Ele, porém, não poderia estar sentado no prato a não ser que se tornasse homem igual a nós, para que se possa dizer: Deus morreu, o sofrimento de Deus, o sangue de Deus, a morte de Deus. Pois em sua natureza, Deus não pode morrer; agora, porém, que Deus e homem estão unidos em uma pessoa, é com razão que se diz:morte de Deus quando morre o homem que se tornou uma só coisa ou uma só pessoa com Deus.” (Lutero, 1992, 374-375).

Hermann Sasse explica como a diferença sobre a encarnação se manifestou no assim chamado Extra-Calvinisticum, o ensino reformado de que, assim como o Logos se encarnou no homem, assim também ele permaneceu, ao mesmo tempo, fora da carne. Sasse faz referência ao ensino dessa doutrina no Catecismo de Heidelberg8 que pergunta na questão 47: “Não está, então, Cristo conosco até à consumação do século, assim como ele prometeu?” E, o catecismo responde: “Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus: de acordo com sua natureza humana, ele não está agora na terra; mas, de acordo com sua divindade, majestade, graça e Espírito, ele não está ausente de nós em tempo algum.” (Apud, Sasse, 1987, 152). A questão 48 afirma que de acordo com sua natureza divina Cristo está presente em todo lugar. Sua natureza divina existe fora da humanidade assumida na encarnação, mas, não obstante, existe dentro da natureza humana de acordo com a união pessoal. Para Ulrich Asendorf, isso é “uma perfeita contradição”. (Asendorf, 1979, 3).

Para o teólogo reformado Karl Barth, as questões 47 e 48 do Catecismo de Heidelberg são um “desastre teológico”. Segundo ele, a resposta à pergunta 47 deveria ser um simples ‘sim’. Mas, ele se apressa em esclarecer que sua crítica a essas questões não significa, para ele, “afirmar a posição luterana contra a qual elas [as questões 47 e 48] são dirigidas” (Barth,1964, 77). O que Barth quer evitar com isso é, segundo ele mesmo explica, oferecer suporte à idéia da Presença Real na Santa Ceia. Para Asendorf, Calvino e o Catecismo de Heidelberg ensinam uma cristologia espiritualizada. Segundo ele, os calvinistas não conseguem formular o que a encarnação significa. (Asendorf, 1979, 3).

Em conclusão: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Não sabemos. Porque a fé que crê (fides qua) está oculta no coração. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Esta questão já deve ter ficado claro nas citações acima, mas, se havia restado alguma dúvida, a afirmação de Barth deve tê-la eliminado.

6. OS SACRAMENTOS
Boehme argumenta que para Calvino, os Sacramentos são pactos ou contratos: Deus nos concede sua misericórdia; nós lhe prometemos obediência. Calvino chama os sacramentos de ordenanças, o que coloca ênfase em nosso fazer, em nossa obediência. (Boehme, 2002, 18b, 24, nota 16).

A Confissão de Westminster é, de acordo com Boehme, a primeira confissão de fé reformada a apresentar um artigo separado sobre o pacto. Nela, “a natureza bilateral do pacto de graça se torna evidente à medida em que seu caráter condicional é enfatizado”. (Boehme, 2002, 20a). Os calvinistas normalmente dizem que as condições são fé e arrependimento (ou obediência). Em outras palavras, isso às vezes é compreendido assim: “Se você cumpre sua parte no acordo, Deus vai cumprir a sua. Se cumprirmos a vontade de Deus, ele vai nos abençoar. Se a violamos, ele vai nos punir” (Boehme, 2002, 20b).

Boehme entende que a ênfase no pacto, na obediência e predestinação encontra suas raízes na teologia nominalista medieval promovida por Guilherme de Occam, Gabriel Biel e outros. Estes nominalistas afirmavam uma aliança bilateral, com responsabilidades e obrigações de ambas as partes do contrato. Se os seres humanos faziam o melhor que está neles, Deus os recompesaria com sua graça. Esta teologia nominalista do pacto estava intimamente ligada com a idéia da predestinação. Nessa, Deus respondia ao comportamento previsto do homem. A obra da eleição de Deus é uma “resposta secundária à iniciativa humana”. Por isso, os nominalistas enfatizavam mais a justiça de Deus do que sua misericórdia. Dos nominalistas, alega Boehme, esta teologia do pacto teria fluido para Erasmo, Zwínglio, Calvino e para o calvinismo posterior. (Boehme, 2002, 20a).

Se essa interpretação estiver correta, então, não deixa de ser uma grande ironia que os reformados—que acusam os luteranos de não terem conseguido se desvencilhar completamente do catolicismo medieval—derivem um de seus conceitos centrais justamente do nominalismo medieval.
As confissões luteranas repudiam esta visão de eleição condicionada à partipação humana. A Fórmula de Concórdia condena como falsa a doutrina que ensina “que não é apenas a misericórdia de Deus e o santíssimo mérito de Cristo, mas que também há em nós uma causa da eleição de Deus, em virtude da qual Deus nos elegeu para a vida eterna” (FC, Ep, XI, 20).

A teologia luterana é uma teologia do testamento, e não uma teologia do pacto. Esta teologia testamental, que começa com Lutero, não é uma teologia bilateral mas unilateral. Deus justifica sem a ajuda do homem. Fé é o canal pelo qual o homem recebe a graça e justiça de Cristo. No dizer de Boehme, “Obediência é parte da fé, mas não esgota o sentido pleno da fé. Esta teologia testamental foi central na descoberta de Lutero do evangelho da graça justificadora de Deus recebida pela fé sem as obras da lei.” (Boehme, 2002, 20b).
A teologia reformada se refere aos meios da graça apenas como sinais que apontam para a salvação, não como meios que conferem (ou dão) a salvação. Calvino diz o seguinte, entre outras coisas, sobre o sacramento: “Ele é acrescentado à Palavra como um apêndice ordenado para simbolizá-la, confirmá-la e certificá-la mais fortemente em nosso interesse, pois o Senhor vê que temos necessidade disto pela ignorância com que julgamos as coisas e pela fraqueza da nossa carne” (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254). E, também: “O homem crente, ao ver o sacramento, não se prende à exterioridade, mas sim, com santa consideração, eleva-se para contemplar os altos mistérios ali ocultos conforme a harmonia existente entre a figura carnal e a realidade espiritual” (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254).
C. F. W. Walther afirma que a maioria das igrejas protestantes ensina corretamente que o homem é salvo somente pela graça, por causa de Cristo e não pelas obras da lei. Mas elas erram no ensino sobre os meios da graça da parte de Deus (Gebenmittel), isto é, sobre a palavra e os sacramentos. Erram também no ensino sobre o meio instrumental da parte do homem (Nehmemittel), isto é, sobre a fé. Elas confessam que Jesus foi morto na cruz para nos salvar, mas negam aquilo pelo qual nós o recebemos, ou seja, o meio, o caminho, a ponte. Elas falam do tesouro, mas não nos deixam chegar até ele; nos tiram a chave e a ponte que dá acesso ao tesouro. Elas dizem que preciso ter o Espírito mas não querem me deixar ter acesso a ele (pelos meios da graça). Walther ilustra a diferença entre o ensino reformado e luterano com relação ao ensino sobre a absolvição. A Escritura ensina, diz Walther, que se desejo receber o perdão dos pecados, não devo me sentar num canto e dizer: ‘Meu Deus, perdoa meus pecados’, e então ficar esperando que um anjo venha do céu para me dizer: ‘Teus pecados estão perdoados’. Pois, Deus promete vir a mim e pronunciar, ele próprio, a absolvição dos meus pecados. Isto acontece, em primeiro lugar no santo batismo e também por meio da absolvição pronunciada pelo pastor ou por um outro cristão. (Walther, 1899, 35-42).
Lutero, no Catecismo Menor, pergunta pelas dádivas e benefícios do batismo e responde: “Opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem, conforme rezam as palavras e promessas de Deus.” (Livro de Concórdia, 1983, 375). Ulrich Asendorf comenta que Lutero menciona, em primeiro lugar, a eficácia do batismo. “O perdão dos pecados realmente acontece quando a água, a palavra de Deus e a fé são unidas.” (Asendorf, 1979, 5). Aqui, diz ele, há um ‘realismo sacramental’. “O primeiro passo da vida cristã vem de Deus, não de nós. Assim como o próprio Cristo chamou seus discípulos para segui-lo, assim ele o faz conosco por meio do batismo. Por isso, como disseram os pais, a Santíssima Trindade batiza, o ministro é apenas o instrumento” (Asendorf, 1979, 5)
A teologia reformada, por outro lado, não ensina este caráter objetivo do meio da graça. No Batismo, por exemplo, ela distingue entre batismo exterior e batismo interior. Quem regenera é o Espírito Santo. O batismo é o símbolo visível da graça invisível. Diz Calvino: “É o Espírito de Deus quem nos regenera e nos transforma em novas criaturas; visto, porém, que sua graça é invisível e oculta, no batismo nos é dado um símbolo visível dela”. (João Calvino, As Pastorais (Tt 3.5), apud Costa, 2006, 69).
Com relação ao Catecismo de Heidelberg, diz Asendorf que nele “não se encontra uma única linha sobre a necessidade do batismo. . . . A tradição calvinista . . . não vê nenhuma eficáciia no batismo. O batismo é o sinal da nova aliança, mas ele não faz nada. Tudo é feito pelo Espírito Santo. Para o calvinismo não há, no sentido estrito, instrumento da graça assim como os há no luteranismo” (Asendorf, 1979, 5).
O Catecismo de Heidelberg pergunta na questão 73: “Então, por que o Espírito Santo chama o batismo de água de renascimento e lavar de pecados?” E responde: “Deus não fala dessa maneira sem uma forte razão. Ele não apenas nos ensina pelo batismo que assim como a sujeira do corpo é tirada pela água, assim nossos pecados são removidos pelo sangue e Espírito de Cristo; mas, ainda mais importante, pelo selo e sinal divino, ele quer nos assegurar que somos tão verdadeiramente lavados de nossos pecados espiritualmente como nossos corpos são lavados com água” (Apud, Barth, 1964, 101). Comentando esta resposta, Karl Barth diz, entre outras coisas: “O batismo não pode se tornar um sujeito; ele não ‘faz’ nada. Mas o Espírito Santo faz algo através do batismo!” (Barth, 1964, 101).
Assim, crianças recebem o batismo exterior e o sinal, mas só são regeneradas pela ação do Espírito Santo quando chegam à idade da razão e ouvem a palavra. (Masius, 1868, 135-136). [cf Catecismo de Heidelberg , questão 69]
A pergunta que se impõe, neste caso, é: como o Espírito Santo age? Ele age pelos meios ou age fora dos meios da graça? De acordo com Ulrich Asendorf, para os reformados,há duas ações paralelas e não-relacionadas expressas nas palavras cum e tum. “Assim como a pessoa ouve a palavra de Deus, e é batizada com água, e recebe pão e vinho, o Espírito age numa relação paralela mas não vinculada, diretamente sobre o coração.” (Apud Scaer, 1989, 28, nota 16).
A questão 75 do Catecismo de Heidelberg revela, com relação à Santa Ceia, a mesma postura adotada por esse catecismo em relação ao batismo. Diz Asendorf: “Aqui é o mesmo cum – tum, isto é, ação paralela, não relacionada que mencionamos acima.” (Asendorf, 1979, 5).
Na Santa Ceia, a presença de Cristo é espiritual e o Espírito Santo age para que pela fé os crentes se unam espiritualmente ao corpo de Cristo que está no céu. “Nada é dito sobre a presença real do corpo e sangue do Senhor neste Sacramento. De acordo com o Catecismo de Heidelberg, não há corpo nem sangue, mas apenas suas marcas” (Asendorf, 1979, 5). Lutero, ao contrário, afirma de forma breve e direta: “É o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dado a nós cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo.” (Livro de Concórdia, 1983, 378). “No Catecismo de Heidelberg pode haver o rastro da graça, mas ninguém sabe o que realmente acontece”, sentencia Asendorf. (Asendorf, 1979, 5). E ele continua dizendo que o espírito cético de Erasmo tem continuidade no calvinismo em geral e que esse espírito contrasta com a teologia assertativa da Lutero. A partir disso, conclui: “Calvino e Lutero estão tão distantes um do outro como fogo e água, e céu e terra” (Asendorf, 1979, 5).
Também nas questões 78 e 79 do Catecismo de Heidelberg é dito que o pão e vinho não são o corpo e sangue de Cristo. É apenas um costume quando a frase ‘o corpo de Cristo’ é usado. As questões falam de sinais visíveis, selo e marca mas o ‘É’ luterano está ausente. Não há interesse nos elementos em si, o que importa é sua função de sinais. (Asendorf, 1979, 6).
Masius afirma que os reformados não aceitam a Presença Real por motivos racionais. A Escritura, porém, diz que, quando se trata dos mistérios de Deus, devemos levar “cativo todo pensamento à obediência de Cristo.” (2 Co 10.5; Masius, 1868, 172).
Em resumo, qual é, então, para os calvinistas, o lugar do Espírito Santo nos sacramentos? Asendorf responde:
Os calvinistas gostam de dizer que os luteranos com sua compreensão da presença real do Senhor em ambos os sacramentos estão se referindo ao que o calvinismo designa com o Espírito Santo. Se isso é verdade, parece que tudo depende do efeito. O Espírito Santo está realmente fazendo para os calvinistas o que os luteranos atribuem aos sacramentos. Mas esta interpretação não está correta. Há uma contradição no pensamento calvinista. Por que o Catecismo de Heidelberg lida com os sacramentos se eles de fato não são necessários para a salvação? A resposta pode ser dada facilmente pelas tradições bíblicas. Mas, se o espiritualismo predomina no calvinismo, os sacramentos não tem nenhum significado real.” (Asendorf, 1979, 6).
7. ELEIÇÃO E CONVERSÃO
Na visão calvinista, o crente acaba buscando uma certeza interior de sua eleição. Portanto, ele busca esta certeza não na justificação mas na santificação. Por mais que se diga que a santificação é ação do Espírito, o crente olha para os resultados dessa ação em si mesmo. Outro aspecto dessa visão é que o crente reformado deve poder apontar para uma conversão específica.
Na visão luterana, a certeza da eleição está nos meios da graça objetivos. O cristão luterano aponta para seu batismo na infância como prova de sua eleição. Ele também não vai apontar para uma conversão específica mas, muito mais, para a conversão continuada. Pois ele sabe que é simul iustus et peccator e precisa se arrepender e retornar ao seu batismo diariamente. Por isso, o batismo ocupa (ou deveria ocupar) um lugar tão proeminente no ensino, pregação e vida diária do cristão luterano. (Cary, 2007, 266-268).
Uma ilustração: Rubem Alves, numa entrevista à Rádio Band FM, transmitida no dia 22/03/2009, comparou o perdão ao esquecimento de Deus. Usou a ilustração duma praia cheia de pegadas, lixo e detritos no fim da tarde. Durante à noite, a maré sobe, lava a praia e leva todo lixo embora. De manhã, a praia está novamente limpa, coberta de areia fina e lisa. . . Nesse ponto, da entrevista, a repórter completou: “pronta para novas pegadas…”. Esta frase aponta para a visão luterana. Deus não nos perdoa como uma mãe que, antes de uma festa, coloca roupa limpa e novo no filho e diz: “Você agora está limpo, cuidado para não se sujar mais.” O menino vai para a festa e obedientemente fica sentado num canto para não se sujar enquanto seus amigos se divertem correndo e brincando.
8. OS DOIS “REINOS” OU GOVERNOS DE DEUS
Para Lutero, Deus governa o mundo todo e o faz de duas maneiras. Ele governa o reino da mão esquerda por meio da lei e do governo secular, e o reino da mão direita por meio do Evangelho e da graça. Estes dois reinos ou governos não estão separados mas devem ser claramente distinguidos, ou seja, não se deve querer empregar os meios de governo de um domínio no outro. Os reformados têm criticado esta “doutrina” considerando-a, inclusive, como a base para o surgimento do nazismo ( Kilcrease, 2005, 68). Os reformados, ao não fazerem a distinção entre os dois reinos, têm transformado o evangelho em lei.

Robert Benne percebe três vantagens principais na posição luterana:
“Primeiro, uma vez que a função da igreja é de pregar lei e evangelho, ela produz um cristianismo onde somos ao mesmo tempo santos e pecadores e, portanto, capazes de sermos auto-críticos numa maneira não permitida pelo conceito calvinista dos eleitos. Segundo, ela leva a sério o fato de que a igreja e a autoridade civil são meios pelos quais Deus lida com o pecado. Tanto a coerção do do estado e a livre oferta da graça são meios necessários para tratar com uma criação em revolta. Terceiro, ela permite que os cristãos discordem entre si no domínio temporal sobre problemas concretos enquanto permanecem unidos na fé” (Apud Kilcrease, 2005, 68).

Traduções Bíblicas com tendência Reformada

Diz Boehme: “Algumas traduções modernas da Bíblia tem uma tendência nitidamente Reformada. Muitas delas levam os cristãos a colocar fé e obediência no mesmo patamar.” E ele acrescenta: “A maneira como a Bíblia é traduzida pode afetar a maneira como o leitor encara o cristianismo—como uma religião de obras ou de graça—se a fé é receptora da graça de Deus ou obediência a Deus.” (Boehme, 2002, 22b).
Michael R Totten, em artigo no Concordia Theological Quarterly de Forth Wayne, analisa 13 traduções diferentes nas áreas dos Sacramentos e da Escatologia. Ele conclui que a teologia reformada e neo-evangelical, de fato, deixou marcas profundas sobre várias versões, especialmente as assim chamadas paráfrases.
Eugene C. Chase, num artigo publicado na revista dos Seminários luteranos de St. Catarines e Edmonton do Canadá, informa que o verbo teréo aparece 74 vezes no NT e phulasso, 30 vezes. Os dois verbos aparecem, numa série de léxicos por ele consultados, bem como em escritos da antiguidade, com o sentido de “guardar”, “preservar no coração” “proteger”, etc. mas nunca como “obedecer”. A NIV traduz o termo teréo 24 vezes (de 31 possibilidades: onde o termo está ligado à palavra de Deus, à lei, aos mandamentos, ou aos ensinos de Jesus) como “obedecer”, e phulasso, em 10 possibilidades é traduzido cinco vezes como “obedecer” e cinco vezes como “guardar”. O autor percebe a influência de posições teológicas legalistas por trás da opção privilegiada pelo termo “obedecer” nessas traduções.9

DIVISÃO E BUSCA DE UNIDADE

Perguntamos novamente: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre as doutrinas que analisamos? Só posso responder: Não sei. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre estas doutrinas? Espero que a resposta a esta questão tenha ficado clara a essa altura da exposição.
Vivemos numa era pragmática e funcionalista. Muitas vezes se diz: “Que diferença faz se há divergências sobre quem é Jesus e como ele nos salva se no fim das contas todos creem em Jesus com Salvador?”
O calvinista Norman Geisler coloca como título dum capítulo de um de seus livros precisamente esta questão: “Que diferença isso faz?” Ele está se referindo à pergunta que seus leitores farão sobre que diferença faz na prática “se alguém é calvinista extremado, arminiano extremado ou toma uma posição intermediária”. E ele prossegue respondendo:
“Francamente, a resposta a essa pergunta é que isso faz uma enorme diferença sobre o que cremos. As convicções afetam a conduta e, por isso, as idéias tem conseqüências. Boas idéias conduzem a boas conseqüências, assim como más idéias levam a conseqüências más. A pessoa que crê que a cancela em frenta à linha férrea está emperrada será morta, quando o trem chegar! Quem acredita no gelo quando o lago está congelado pode afundar se o gelo é fino! Do mesmo modo, a doutrina falsa pode levar a ações falsas. É bom repetir o refrão: “Fulano era um bom menino, mas agora não é mais, porque o que ele creu ser H2O era H2SO4 (ácido sulfúrico)”” (Geisler, 2005, 153).
Geisler certamente tem razão quando afirma que doutrina falsa pode levar a ações falsas. Pior do que isso é o fato de que doutrina falsa pode nos afastar da verdade que Deus revelou e nos privar da vida eterna. O próprio Jesus responde: “Em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15.9) e “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus” (Mt 7.21). E, o apóstolo Paulo adverte: “Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor . . . ” (Rm 16.17, 18).
Já vimos que os reformados consideram os luteranos como ‘semi-evangélicos’ que precisam de uma mãozinha para se tornarem totalmente reformados. Para os luteranos, por sua vez, “os reformados não pertencem mais à igreja do Evangelho puro. Eles seguiram uma direção que os afastou da Reforma. Eles abriram mão de verdades bíblicas imprescindíveis, tais como a Presença Real na Santa Ceia. Eles turvaram e, parcialmente, perderam o conhecimento fundamental da distinção correta entre Lei e Evangelho” (Sasse, 1997, 49).
Desde a época da Reforma, houve muitas tentativas de reconciliação entre luteranos e reformados.
John T. McNeill, afirma que se poderia reunir uma substancial biblioteca de tratados com propostas de união eclesiástica, reconhecimento mútuo, e intercomunhão, escritos nos séculos dezessete e dezoito. (Mcneill, 1954, 137). Em 1723, apareceu uma lista de 150 títulos tratando de discussões sobre a união entre luteranos e reformados. Quase todos esses escritos haviam sido publicados nos três anos anteriores. (Mcneill, 1954, 138).
Por que, então, não se chegou à união pretendida? Mcneill culpa as igrejas luteranas pela “persistente rejeição” de “projetos de união propostos pelos reformados.” Ele cita Hermann Sasse que declara que os luteranos não agiram movidos por outros princípios mas firmaram sua posição apenas em base doutrinária. Embora não considere esta explicação “adequada”, McNeill admite que ela não pode ser descartada como “insincera”. (Mcneill, 1954, 138, 139).
A primeira tentativa de alcançar unidade entre luteranos e reformados foi o Colóquio de Marburgo. Todos sabemos como ele terminou e muitos até hoje culpam Lutero por recusar a mão fraterna à Zwínglio.
No século XIX, após muitas tentativas frustradas de reconciliação e união, o rei Frederico Guilherme III decretou a famosa (ou mal-afamada) União Prussiana, em 1817. Essa união foi efetivada em 1830. [Exemplo da nova liturgia para as comunidades unidas: Na distribuição da Santa Ceia, o pastor dizia: “Jesus disse isto é o meu corpo. . . Jesus disse isto é o meu sangue]. O protesto mais efetivo contra essa união partiu de Claus Harms. Ele publicou as 95 teses de Lutero e acrescentou 95 novas teses. A tese 3 afirma: “Com a idéia de uma reforma continuada, como ela é agora entendida e supostamente encorajada, o luteranismo é reformado em paganismo, e o cristianismo é reformada para fora deste mundo.” Tese 64: “Os cristãos deveriam ser ensinados que eles tem o direito de não permitir ensino não-cristão e não-luterano no púlpito e nem nos livros usados na igreja e na escola.” E, tese 77: “Dizer que o tempo removeu a parede de separação entre luteranos e reformados, não é falar corretamente. A questão é: quem se desviou da fé de sua igreja, os luteranos ou os reformados? Ou ambos?” (Meyer, 1964, 65-69).
No século XX, na Alemanha, por interferência nazista, foi criada a Deutsche Evangelische Kirche (DEK). Nessa época chegavam ao auge as tentativas de trazer os luteranos a uma “união” com os reformados. Uma das vozes corajosas que se levantaram contra o nazismo e o unionismo foi Hermann Sasse.
Sasse, que foi criado e ordenado na igreja da União Prussiana e que só chegou a conhecer a igreja luterana ao participar de um programa de intercâmbio nos Estados Unidos, escreve, no seu livro União e Confissão, sobre o terrível pecado da “mentira piedosa”, referindo-se ao unionismo. Esta mentira, diz ele, mente não só para homens mas também para Deus na oração, na confissão, na Santa Ceia, no sermão e na teologia. Esta mentira tem uma propensão a se tornar uma mentira edificante e, após um tempo suficiente, ela chega à sua “maturidade doutrinária” e se torna uma mentira dogmática. (Sasse, 1997, 1-2) Mais adiante, ele desabafa:
“Que pensamento terrível é, realmente, o fato de que coisas que não são verdadeiras são ensinadas na igreja, sob o disfarce da verdade eterna confiada a ela. Nenhum ateísmo, nenhum bolshevismo pode causar tanto estrago e destruição como a mentira piedosa, a mentira na igreja. Nesta mentira se torna evidente o poder de alguém a quem o próprio Cristo chama de mentiroso e o pai da mentira (Jo 8.44)” (Sasse, 1997, 3).
Esta mentira se torna uma mentira institucional quando uma igreja legaliza as outras mentiras e as torna impossíveis de remover. Isso acontece quando os mesmos direitos são concedidos na igreja àqueles que confessam e àqueles que negam a Trindade e as duas naturezas de Cristo e onde a pregação da Reforma tem o mesmo direito que a proclamação de uma religião iluminista sem dogma. (Sasse, 1997, 3).
Sasse argumenta que “é impossível e deveria ser indigno dos teólogos alemães que eles justifiquem a união dizendo que as congregações, e mesmo os teólogos, hoje em dia não entendem mais a diferença entre “luterano” e “reformado”. A isso só se pode replicar: Se isso é assim, então eles precisam aprendê-lo novamente. Pois se a ignorância é o que decide o que a igreja deve ou não deve ensinar, então tudo precisaria ser eliminado!” (Sasse, 1997, 47).
Falsa doutrina torna Deus em mentiroso. Ela diz “assim diz o Senhor” quando Deus não o disse. Falsa doutrina é idolatria pois inventa e cria um deus diferente daquele que se revelou em Cristo e na Escritura Sagrada. Ensinar falsa doutrina é blasfemar contra o nome de Deus. Disso somos lembrados por Lutero em sua explicação da 1ª petição do Pai Nosso: “Santificado seja o teu nome”. Lutero diz que o nome de Deus se torna santo entre nós “Quando a palavra de Deus é ensinada genuína e puramente, e nós, como filhos de Deus, também vivemos uma vida santa, em conformidade com ela; para isso nos ajuda, querido Pai do céu. Aquele, porém, que ensina e vive de modo diverso do que ensina a Palavra de Deus, profana o nome de Deus entre nós; guarda-nos disso, ó Pai celeste!” (Livro de Concórdia, 1983, 372).

CONCLUSÃO

Às vezes, ao concluir uma palestra sobre um tema doutrinário (ou até mesmo antes de começá-la) a gente é capaz de sentir ou ouvir a voz do desânimo dizendo: “De que adianta? Quem liga?” Possivelmente, para muitos ‘essa conversa de confessionalismo não passa de conservadorismo’ e assim por diante. Acredito que muitos de vocês devem ter experimentado algo parecido na preparação e apresentação de algum sermão. Jesus mesmo se refere a tal situação dizendo que esta atitude de indiferença já era própria dos homens daquela geração dos seus dias terrenos. Eles não dançavam com música alegre e não choravam com canções tristes (Lc 731-34). Ou seja, a lei não assusta e o Evangelho não alegra. Também lembramos as palavras do apóstolo Paulo: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina . . . e se recusarão a dar ouvidos à verdade.” (2 Tm 4.3, 4). O que fazer numa situação dessas? Muitos pregadores optam por “despejar mais lei”. Lutero, num sermão do dia da Ascensão, em 1534, discute as opções existentes. Se você pregar só lei as consciências ficam aterrorizadas e as pessoas se tornam idólatras buscando segurança e paz em cultos falsos e obras da lei. Por isso, diz Lutero, com esta pregação ninguém se salva, porque ninguém é salvo pelas próprias obras mas somente pela fé na obra vicária de Cristo. Mas, se o pregador insistir em pregar a fé em Cristo, é bem possível que muitos se acomodem e não se preocupam com seus pecados ou em levar uma vida cristã. Mas, diz Lutero, alguns pelo menos prestarão atenção, receberão a oferta do Evangelho, crerão na promessa de Deus e serão salvos. (Klug, 2000, 113-116).
É muito importante, ao mesmo tempo, não confundir ‘não ser legalista’ com ser antinomista. O legalista mistura lei e evangelho e transforma o evangelho em lei. O antinomista tende a excluir a pregação e o ensino da lei totalmente. Ele elimina a necessidade do arrependimento e torna os pecadores seguros em sua vida pecaminosa. Aqui se inclui a idéia, já bastante difundida em nosso meio, de que podemos, e até devemos, acolher na Santa Ceia a qualquer um que venha, sem perguntar pela sua situação espiritual, se ele está arrependido ou não. Esquece-se que a Ceia de Cristo é puro evangelho destinado a pecadores arrependidos. Esta é apenas uma das maneiras em que o antinomismo se infiltrou também entre nós.
Às vezes se coloca a falsa antítese: É melhor ter a doutrina do amor do que ter amor à doutrina.” Respondemos: É melhor ter amor à doutrina do amor e fazer o que está ao nosso alcance para proclamá-la e preservá-la para as gerações futuras. É preciso, igualmente, tomar cuidado com a maneira como se interpreta a recomendação tantas vezes ouvida: ‘Se for errar, é melhor errar para o lado do evangelho’. É uma afirmação, sem dúvida nenhuma, bem intencionada. Mas, mal entendida e mal usada, pode se tornar uma rampa pela qual se escorre para o antinomismo. Evangelho é a boa nova da graça de Deus em Cristo. Não tem nada a ver com ‘liberar geral’ ou com a fuga da responsabilidade do ministro como despenseiro dos mistérios de Deus. A melhor opção sempre é: buscar orientação na Palavra de Deus para procurar evitar o erro.
Com isso, também estou dizendo que só por termos o nome de ‘luteranos’ não somos automaticamente donos da verdade. Não temos a doutrina pura por direito adquirido. Poder usufruir desta doutrina é graça de Deus. Precisamos ser e permanecer humildes alunos da doutrina da verdade. O apóstolo Paulo pergunta também a nós: “Porventura, a palavra de Deus se originou no meio vós ou veio ela exclusivamente para vós outros?” (1 Co 14.36). Se fomos agraciados com a doutrina verdadeira, precisamos lembrar que ela não é nossa, temos uma dívida com o mundo e com as demais denominações. Precisamos testemunhar a todos a centralidade da justificação pela fé. Precisamos compartilhar o precioso tesouro da sola gratia, sola fide e sola Scriptura.

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WOOD, Stuart, “Taking the mask off Calvinism”. <http://arlomax.googlepages.com/takingthemaskoffcalvinism%3Athedangerofhum> (23/03/2009).

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1 Todas as traduções incluídas neste texto são do próprio autor.
2 Hermann Otto Erich Sasse (1895-1976) recebeu uma educação teológica liberal em Berlim. Só mais tarde, o estudo da teologia de Lutero, das Confissões Luteranas e da ortodoxia luterana o conduziu a uma compreensão correta da Escritura Sagrada. Foi pastor em Berlim por treze anos. Em 1933, foi chamado para ser professor de História da Igreja e Dogmática na Universidade de Erlangen. Se opôs ao nazismo e ao unionismo que não distinguia entre a teologia luterana e reformada e se tornou um ardoroso defensor do luteranismo confessional. Após a 2º Guerra Mundial, percebendo que lhe era impossível permanecer como membro da igreja alemã que promovia o unionismo, aceitou, em 1949, um chamado da Igreja Luterana da Austrália para ser professor no Seminário de Adelaide. Lá permaneceu até sua aposentadoria em 1965. Sasse participou ativamente do movimento ecumênico tanto no movimento Fé e Ordem como também no trabalho da Convenção Luterana Mundial que, posteriormente, veio a ser a Federação Luterana Mundial. Sempre defendeu a lealdade às Confissões luteranas e repudiou um ecumenismo que procura a unidade às custas da verdade. Sasse foi um escritor prolífico e de seus muitos escritos, pelo menos, os seguintes foram traduzidos para o português: “Igrejas confessionais no movimento ecumênico com referência especial à Federação Luterana Mundial”, Igreja Luterana, 30, nº 1 e 2 (1969); Isto é o Meu corpo: A luta de Lutero em defesa da presença real no sacramento do altar. Porto Alegre: Concórdia, 1970; e
Aqui nos firmamos: Natureza e caráter da fé luterana. Trad.Leandro Daniel Hübner. Canoas: Editora da ULBRA, 2008. Nesta última obra, ele delineia claramente a incompatibilidade entre a teologia luterana e a reformada. Ao citarmos Sasse repetidamente nesta palestra, o fazemos consciente de que o contexto em que nos encontramos é diferente do contexto em que Sasse viveu e escreveu. Não obstante, o perigo do unionismo e a tentação de sacrificar a verdade da palavra de Deus com o objetivo de conquistar uma paz externa entre denominações com teologias diversas continua tão presente hoje como no passado. Da mesma forma, permanece a necessidade ecumênica de testemunhar ao mundo a verdade do evangelho autêntico de Cristo em oposição a um “ecumenismo festivo”.
3 Sasse está sendo citado aqui a partir da versão inglesa de sua obra simplesmente porque era esse o texto que o autor tinha à mão ao elaborar a palestra.
4 É importante salientar que a presente pesquisa não incluiu um estudo sobre a posição doutrinária específica das Igrejas Evangélicas Reformadas do Brasil (IERs). Um Documento Protocolo aprovado pelos representantes oficiais das IERs e da IELB, no dia 17 de abril de 1993, em Carambeí, PR, afirma (II: 3, 4): “3. As doutrinas fundamentais primárias em que há grande unanimidade são as doutrinas a respeito da fé salvadora, da justificação pela graça, do pecado e suas conseqüências, da SS. Trindade, da satisfação vicária de Cristo, da Palavra de Deus e da ressurreição. 4. Há doutrinas que precisam de diálogo e aprofundamento bíblico e confessional, entre as quais, além de outras, estão a doutrina da predestinação, da Cristologia e da Santa Ceia”.
5 No gráfico de Brinsmead, a linha que representa a santificação, no modelo luterano, é uma linha reta. Inserimos uma linha ondulada para indicar que a santificação não é estável na vida cristã, mas apresenta altos e baixos à medida em que se desenrola a luta entre o novo e o velho homem (ou o espírito e a carne) no cristão.
6 A obra de Watson foi traduzida para o português (Deixa Deus ser Deus. Trad. Paulo Flor. Canoas: Editora da ULBRA, 2005). A referência acima é do original inglês apenas porque era essa a versão que o autor tinha à mão ao elaborar o presente texto.
7 Para uma análise crítica do documento “Justificação Hoje” que resultou do debate em Helsinki, confira: Nestor Beck. La doctrina acerca de la fe: En la Confesión de Augsburgo y documentos ecuménicos. Canoas: Editora da ULBRA, 2005, cap. 9. Nos capítulos 10 e 11 desta obra, Beck examina outros documentos ecumênicos das décadas de 1970 e 1980 e conclui que todos são deficientes em sua definição de fé e justificação.
8 O Catecismo de Heidelberg foi escrito por Zacarias Ursinus (1534-1583). Ursinus era luterano, estudou em Wittenberg e foi o primeiro dos discípulos de Melanchthon a se converter do luteranismo para o calvinismo. Mas, como ressalta Asendorf (1979, 1), ele o fez a sua maneira e por isso no Catecismo de Heidelberg estão ausentes algumas das características do calvinismo: “a) o pacto não é mencionado; b) seu ensino sobre a lei é semelhante à concepção luterana . . .; c) a dupla predestinação não é mencionada” (Ibid.). Por isso, esse catecismo deve ser entendido como um documento do calvinismo alemão, não o de Genebra. Mais adiante, Asendorf adverte que o “Catecismo de Heidelberg oferece riscos aos luteranos na medida em que, em alguns aspectos, se desvia das tradições calvinistas comuns e, por isso, poderia promover sutilmente a tendência para o unionismo entre luteranos e reformados” (Ibid.). Somos, aqui, lembrados da advertência da Fórmula de Concórdia ao distinguir entre sacramentários crassos e sutis e afirmar que estes são “os mais prejudiciais de todos” porque ocultando-se por detrás de palavras especiosas, “retêm a mesma crassa opinião anterior, a saber, que na santa ceia nada senão pão e vinho estão presentes e são recebidos oralmente” (FC, Ep VII, 3-5).

9 Uma sugestão para os pastores é que confiram as traduções antes da leitura dos textos no culto. Não é necessário usar sempre a mesma tradução. Convém privilegiar aquela que na leitura em questão reproduz mais fielmente o texto original.

Fonte: Scribd